terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Por detrás de um vestido branco

O que incomoda é esse papel em branco na minha frente.

Essas linhas invisíveis que ainda hei de escrever se rejubilando bastardas diante do branco da minha cegueira criativa. Cegueira que implora sedenta um chá de cogumelos azuis...

­"Não, não tem festa... mas tem bolo. Minha Mãe sempre faz um bolo de limão..."

Penso no bolo de limão coberto com uma fina camada de glacê... Meu deus como eu odeio glacê... Aquela tentativa açucarada de destruir a beleza da imperfeição que é um bolo nu. Todas aquelas pessoas passando e ele observando cauteloso tentando prever o assassino que primeiro lhe arrancaria as faces deixando exposta a singeleza carinhosa de seu preparo. E agonizava mudo em cima da mesa enquanto crianças maldosas arrancavam aos poucos o seu vestido de noiva. Ele queria gritar berrar explodir, mas a Mãe em sua sabedoria de doceira costurara seus lábios com açúcar caramelado. Não podia se dar ao desprazer de limpar na manhã seguinte os destroços do suicídio. “Não é mesmo minha querida?”

Ela não estava na sala. O bolo percebeu que gritavam seu nome, e era um nome de faca que já lhe causava rachaduras profundas. A Mãe continuou a chamar enquanto os convidados se reuniam ao redor da mesa e ...

Aconteceu. O bolo foi visto. Foi notado e era agora apreciado como uma obra de arte. Um quadro esculpido em farinha, leite e ovos. E em um desespero incontido o bolo começou a destruir-se interiormente de modo que seus olhos de bolo começavam a inchar e ficaram vermelhos. Mas ninguém viu isso, só ela. Somente ela via aquilo, mas permanecia calada para que não a dessem por louca. Que não a dessem por perdida, por transviada por... “Por deus menina, corta esse bolo!”

E a faca perpassou a carne mole daquele ser tão lentamente que era possível ouvir os ossos de farinha quebrando levemente, como deve quebrar-se um osso dessa qualidade. E ela lembrava que seus ossos também já foram assim esmagados. Um dia.

E sentou-se no sofá com um pedaço do bolo nas mãos olhando o sangue do bolo escorrendo por entre seus dedos e pelos dedos assassinos da faca. Agora não era mais bolo. Não era nada, deixou de ser em questão de segundos.

Tentou ouvir a conversa dos tios, o assunto polêmico, a política, o riso, a pornografia. Sempre escutava essas histórias com o rosto imutável que sustentava um sorriso que lhe traria uma enorme ruga daqui a alguns anos. Levantou-se e foi até o banheiro onde sua Mãe encontrara-a na hora do bolo, mas não sabia por que havia retornado. Olhou para a caixa de cotonetes e se recordou. Não havia limpado os ouvidos.

À Walkíria Souza em comemoração ao seu aniversário.
Celebrando o seu faz-anos com uma xícara de chá azul.

4 comentários:

Unknown disse...

Vc eh demais, Mário!!!!!!
É sempre prazero ler seus escrito...
e mais prazer tenho eu en ler este por ser dedikdo a uma psoa q amo d+ - Wal!
Agradeço pelo prazer q me das em ler seus textos e pela alegria q proporcionas a bestona da Wal.
BJOKS!
txi amu e admiro bein mutxãoooo...
;)

Mário da Mata disse...

valeu Belinha!

Unknown disse...

Não poderia ter ficado melhor... é tão... MEU!!!!!!!

Tá perfeito.

Muito obrigada Mário!!!

Unknown disse...

esse me soa um pouco forçado :x
eu gosto da idéia do bolo vivo até, hehe, estilo o anão de jardim de lygia, mas acho que a idéia nao foi bem explorada.
agora gostei do final, dos cotonetes, do ar casual, da desimportancia de tudo isso, hehe, gostei.
e eu gosto de glacê!
=P