quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A pequena morte

Quando amanheceu o dia, se deu conta de que estava perturbada. A natureza da noite dava proporções estranhas aos acontecimentos anteriores de modo que o despertar era uma rememoração hiperbólica das vivências de poucas horas. Horas que passaram circunvoluteando nos pensamentos e nas idéias, horas e mais horas tendo pesadelos na desperção azul.
Antes da hora ela teve de reprimir desejos irreprimíveis e isso a tornava desesperadamente humana. Uma humanidade de si mesma. Todavia, já não é das eras atuais a impermanência das coisas apreendidas e sem dúvida algumas sabe-se sua fuga pelos poros. Pelos poros saídos a essência humana represada.
O medo que lhe tomava na consciência das coisas desperta era que sua humanidade se esvaísse por inteiro e não mais voltasse. E esse medo contagiava seus pêlos e ela temia por sua desumanidade permanente. Por isso desejava dos outros as essências humanas. Na pele, nos braços, nas pernas, nos lábios. Desejava em cada mordida, arrancar um pedaço de gente, de ser, de vida. De humanidade latejante.
Queria de volta toda a humanidade extravasada, e naquela manhã perturbada, ela desejou morder o alheio.
Ininterruptamente.