domingo, 8 de junho de 2008

A violinista tem os pés descalços.


O vento arrefecia o azul das sapatilhas de seda e envolvia com seus fios invisíveis o vestido rendado da violinista, movimentando-o no suave embalo das brisas ancestrais. Em seu braço esquerdo sustentava ela seu instrumento e seus acordes sonolentos na manhã orvalhada. Com o braço direito, sustenta a vida na delicadeza de uma folha verde já levemente corroída pela ação das intempéries. E ela, a violinista, era sustentada pelo tempo nas horas divagadas.

Quando seus olhos abriram para a imensidão da planície ela viu, cheia de inquietude permanente, a diferenciação das coisas e suas infinitudes, os rebuscados simplismos da natureza nua. As inconsistências concretas, a beleza do grotesco e o grotesco da beleza. O avesso das coisas em seus avessos mais revirados. E ela ao avesso com a incompreensão do mundo. Ela a violinista, acabara de tomar ciência de sua existência fatídica na resposta monossilábica da planície. E nessa resposta, quebrou-se em cacos a máscara de mulher in persona e a violinista tornou-se ela mesma.

Soltou-se o violino e a folha, cintilou a gota que armazenara silenciosa na mão alheia. E na terra ela foi bebida com o sabor ambrosíaco pelas raízes das árvores. Tão singelo quanto respirar. A violinista agora sem amparos corria em direção ao riacho com os cabelos castanhos e despenteados a revolutear na nuca perfeita. Toda ela na sua música, no seu som, no seu ritmo. Tudo em um só instante que se transpassado duraria anos. Tudo para um salto onde as sapatilhas se desprenderiam da (in)sanidade momentânea e permaneceriam na grama úmida. Tudo para o salto da violinista. Tudo para os pés tocarem a superfície calma e estável da água. O caminho percorrido como que sem percalços. A felicidade liquefeita em redemoinhos de paz.

A violinista tem os pés descalços.

3 comentários:

Laís disse...

so do I.


que texto leve! amei =)

Unknown disse...

Preciso nem dizer que você escreve muito bem , né?!


Gostei do texto :))))

Anônimo disse...

Primeiro, vou escrever o que não me desceu:
"brisas ancestrais"? Não gostei!
"manhã orvalhada”, "folha verde": parece um romântico. Sempre tem que ter natureza em seus textos, mesmo que metaforicamente.
Mas, tirando a parte romântica, gostei de "As inconsistências concretas, a beleza do grotesco e o grotesco da beleza." Lembra paradoxos em choques tremendos. Gosto disso... dessas coisas que se contrapõem, que se regulam, que se inibem e formam outra imagem.

Bom texto!!!!!!!!!!!!!!!!

Abraços, Mário!

Alejorno.

A.J.