domingo, 6 de abril de 2008

Alicia

Deitada na relva Alicia não move as pernas fixadas no chão por suas raízes de veias humanas. Alicia não levanta nem se move nem se força às paredes de sua casca. Alicia contenta-se no seu vegetismo perplexo. Dentre as folhagens adiante vejo Alicia enroscando sutil os dedos nas folhas secas e sentindo entre eles o úmido teor do lodo verde, da lama macia. E Alicia olhava para o céu de olhos fechados esperando a gota de orvalho derramar-se em sua sede de menina que não aprendeu a ser. Os olhos verdes cortavam a grama alta e me fixavam como um espelho. E assim como a inconstância líquida do orvalho receava precipitar-se sobre a palidez de sua face eu inconstante e líquido receava aproximar-me da singeleza de sua estrutura. Alicia não se levantou mas se fez levantar pela vagarosidade de um mangue em sua mudança contínua em seu andar quase andar quase estanquidão quase nada e mesmo assim movimento. Alicia encolhia os lábios pra tornar-se mesmo obliterada sendo na sua camuflagem ainda mais viva. Na pele de Alicia a herança da hera e das eras. Do tempo e dos tempos. Da relva e de mim. Embaixo da árvore residia em seus domínios. Embaixo de sua pele residia minha aflição. Seus gravetos erguiam-se às viradas dos anos para apanhar o fruto proibido, mas o ócio embebecia e na agitação do ócio Alicia não pecava. Apenas tendia. E assim nunca conseguiu ser expulsa do paraíso.

E eu... eu apenas observava.

Alicia foi decidida à dormir no período de inverno coberta por uma colcha de gelo. Eu gelei minhas veias, minhas seivas, minha alma de tal modo que respirei por entre os folículos de uma folha. E ansiava deitar-me ao lado de Alicia e abraçar sua lividez hibernal. Queria congelar ao seu lado e despertar ao final do mês de outubro. Mas sabia eu que Alicia fixara-se por demais longe de minhas raízes e por essa razão só me restaram os olhos. Minha dádiva e minha punição. E eu satisfazia-me por poder ver a tez macia e cabia-me na agonia de não poder tocá-la. E eu vi o piscar dos olhos repetidas vezes e não correspondia na escuridão. Todo o tempo passando como um elefante entrando na ampulheta. Alicia cada vez mais vegetal. E eu cada vez mais homem.

10 comentários:

Júlio Figueiredo disse...

Cara, o último parágrafo foi foda. Sem resenha. Achei a parte onde o "eu" apenas pode observar muito bem feita. Dá pra sentir a aflição dele. E a "vegetalzice" da Alicia também. ^^

Laís disse...

caraa, tô aki por indicação do julhinho =D e poxaa... me impressionei! ótimo texto, a pessoa efetivamente consegue sentir toda a angustia, toda a vontade dele e toda a inercia dela... parabéns!

http://lalazinha.leite.blog.uol.com.br

Mário da Mata disse...

Laís vc aqui!!!
Feliz de vcs comentarem. =)
Valeu

'Pierquim disse...

Como já foi dito, tá foda. Principalmente o ultimo paragrafo...
As palavras em si não sobrepuseram seus significados...ficou bunito e equilibrado. E eu gosto da coisas que você escreve mário, acredite. Só temos uma pequena divergencia quanto nosso foco: As palavras e o que elas dizem.

falei d+!
o/

Geraldo Melo disse...

Mário, você realmente tem uma sensibilidade que provoca idéias com imagens encantadoras, alél de um português castiço. Precisa compilar tudo isso e publicar fazendo uma festa bem animada para dar autógrafos q todos nós que tanto o admiramos e estimamos.

Unknown disse...

tah massaaa primoo!! ^^!!!!!

parabénss!!
continue assim! =-)

Laís disse...

aahh! que bom q vc gostou dos poeminhas =)
e eu eh q virei sua fã \õ/

=**

Unknown disse...

puTz!
ao ler o texto!
senti toda essa "vegetação" d Alicia!
e o final do texto tb fico foda!
mto bom Mama ^^

BEROALDO MESSIAS disse...

O Texto do Mário Matuto é inteligente... Minha leitura é pouca e minha nescedade é colossal... Não consigo entender suas mensagens subliminares... Sempre achei que a Alicia vivia no país das maravilhas... Mas o texto do Mário traz um cenário assaz obscuro... É próprio um intrincado labirinto de Teseu... Onde talvez o minotauro seja o leitor, ou não!

Esse semi-psicólogo consegue fazer metáforas geniais, tais como:

"Na pele de Alicia a herança da hera e das eras".

Vai em frente Mário... Quando ficar rico lembre-se dos amigos da época que você pegava o Eustáquio Gomes Iguatemi !!!


Amplexos e congratulações,


Beroaldo

Anônimo disse...

bem interessante... principalmente o final ^^. eu só acho que o txt tá meio desfocado, eu nao tenho uma imagem nítida da sua intenção. mas em questões de descrição ele tá bem massa =)). ah, vc devia ter escrito ele mais heheh botado pra fuder =P... mas as vezes eh tao dificil neh... enfim, eh isso. keep reading, keep writing :D