quarta-feira, 30 de abril de 2008

A declaração de Olivia O.

Eu quero conter um pouco mais de mim

E dentro de mim encontro um querer incontível

E incontrolável eu desagüei em ti

Todos os quereres que me constavam irreprimíveis


E incontáveis vezes eu encontro o inesperado

E desse embate surgem as mais lindas tristezas

Configuradas no sorriso inalável

Que interpretas com a inconsistência de copos-de-leite


Mas na conscientização do feito este se torna inalienável

E inerte permaneço aos seus olhos de vidro

E imóveis eles fixam os meus, inexatos, invertidos

E incompreendida eu me identifico, vertida em vazios espirais.


As ruínas recém construídas se cobrem do verde solitário

Jazem meus quereres em seu leito de pedra

Piedade.

domingo, 6 de abril de 2008

Alicia

Deitada na relva Alicia não move as pernas fixadas no chão por suas raízes de veias humanas. Alicia não levanta nem se move nem se força às paredes de sua casca. Alicia contenta-se no seu vegetismo perplexo. Dentre as folhagens adiante vejo Alicia enroscando sutil os dedos nas folhas secas e sentindo entre eles o úmido teor do lodo verde, da lama macia. E Alicia olhava para o céu de olhos fechados esperando a gota de orvalho derramar-se em sua sede de menina que não aprendeu a ser. Os olhos verdes cortavam a grama alta e me fixavam como um espelho. E assim como a inconstância líquida do orvalho receava precipitar-se sobre a palidez de sua face eu inconstante e líquido receava aproximar-me da singeleza de sua estrutura. Alicia não se levantou mas se fez levantar pela vagarosidade de um mangue em sua mudança contínua em seu andar quase andar quase estanquidão quase nada e mesmo assim movimento. Alicia encolhia os lábios pra tornar-se mesmo obliterada sendo na sua camuflagem ainda mais viva. Na pele de Alicia a herança da hera e das eras. Do tempo e dos tempos. Da relva e de mim. Embaixo da árvore residia em seus domínios. Embaixo de sua pele residia minha aflição. Seus gravetos erguiam-se às viradas dos anos para apanhar o fruto proibido, mas o ócio embebecia e na agitação do ócio Alicia não pecava. Apenas tendia. E assim nunca conseguiu ser expulsa do paraíso.

E eu... eu apenas observava.

Alicia foi decidida à dormir no período de inverno coberta por uma colcha de gelo. Eu gelei minhas veias, minhas seivas, minha alma de tal modo que respirei por entre os folículos de uma folha. E ansiava deitar-me ao lado de Alicia e abraçar sua lividez hibernal. Queria congelar ao seu lado e despertar ao final do mês de outubro. Mas sabia eu que Alicia fixara-se por demais longe de minhas raízes e por essa razão só me restaram os olhos. Minha dádiva e minha punição. E eu satisfazia-me por poder ver a tez macia e cabia-me na agonia de não poder tocá-la. E eu vi o piscar dos olhos repetidas vezes e não correspondia na escuridão. Todo o tempo passando como um elefante entrando na ampulheta. Alicia cada vez mais vegetal. E eu cada vez mais homem.

quinta-feira, 3 de abril de 2008

Ópio

A penumbra alastrava-se dentro de si mesma sem invadir a lâmina de luz que a atravessava. Diante deste fratricídio imagino que mesmo que a lâmina adentrasse ainda mais as entranhas negras de sua irmã esta se resignaria, calada, pois diante do deplorável estado em que se encontrava, a dor significava seu resquício vital no escuro.

E isso bastava para que a escuridão agonizante revoluteasse e arranhasse as paredes de seu próprio conforto, de sua própria casca vaporosa e gozasse dos seus minutos de vida antes de retornar ao mormaço da noite.

Amparada pelas paredes de cimento descansou e permitiu-se abrir pelo aço de luz. E sentindo na ausência de qualquer coisa a presença de tudo em um êxtase elétrico, a escuridão amou a dor. E amou a luz. E amou a si mesma fazendo da lâmina o seu lago de narciso.

E ele viu que aquilo era bom.

E de seu ventre aberto emergiu sorrateira uma lagarta verde que divina atravessou a lâmina. Uma deusa prototípica de mil pernas que se dissipou etérea ao término de sua peregrinação na luz. E sua fumaça esbranquiçada enroscou-se nos fios invisíveis do aço luminoso, sendo absorvida e apreciada pela irmã homicida.

E a luz converteu-se.

A fumaça da lagarta a fez convulsionar, revolver, reverberar, refletir e esmorecer. E foi esmorecendo. Lentamente. E os olhos fechavam como mortes de duas papoulas. Uma viciada em ópio divino. Ópio de seda. Ópio de lagarta. E enfraquecida a luz volveu-se em escuridão. E sua irmã dilacerada olhou-a com os olhos aflitos, mas cheios de compaixão. E de uma só vez a devorou carregando todo o conteúdo da fratricida em seu ventre. Porque ela reconheceu naquilo o seu destino e a sua essência. A razão intrínseca dela ser ausência. O objetivo pela qual havia sido criada e apagada. A finalidade emergente de sua agonia: Ela devia ser preenchida.

Por que um dia do rasgo mole de seu ventre lhe brotariam Vespas.

E Elas seriam feitas

De luz.