Certo dia a voz me disse: a mariposa é uma borboleta negligenciada. Agora penso que, se assim procede, todas as coisas negligenciadas permanecem à deriva em um caos permanente. E assim o é desde quando a mariposa foi amaldiçoada. Nesse tempo, quando deus criou a mariposa soltou um grito e atirou-a no universo através da janela de deus. No universo, a mariposa permaneceu constante até pousar irrelevante no mundo. E o mundo era repleto de coisas negligenciadas e irrelevantes. Assim ao menos o diziam. Assim ao menos afirmavam os irmãos da mariposa. E todos reivindicavam diante de deus uma posição mais favorável. E essa situação perdurou imutável, até dar-se a morte de deus.
Nesse dia, os dentes da mariposa foram arrancados por pura crueldade dos homens e a mariposa foi obrigada a tornar-se vegetariana. E foi forçada a bater as asas. E foi vinculado a ela um estigma de mau presságio. Mas ainda nesse dia a mariposa jurou vingança e grávida de ódio deu à luz na terra seca à quietude sacramental da perfeição encapsulada. Agora a mariposa era mãe. E agora ela não precisava mais de dentes ou asas ou patas ou rosto. A mariposa só precisava de seda. Acima de tudo de seda. A mariposa é repleta de fios de seda que se entrelaçam harmoniosamente até que das tranças de cumprimento infinitesimal se desfaz quando morre de redemoinhos. E esse é o gozo da mariposa. É nesse momento, no fundo do olho de uma mariposa, que é possível perceber o caos em que ela está determinada, e nesse caos ela supera todos os outros seres. Inclusive a borboleta, e por que não, a própria mariposa.
Um comentário:
adoreei! muito muito bom!! =)))
interessantissimo o desenvolvimento da mariposa e sua superação, contra a metamorfose tao explorada da borboleta.
sobre isso: todas as coisas negligenciadas deveriam permanecer à deriva em um caos permanente.
acho que elas nao deveriam permanecer. elas permanecem.
=*
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