quinta-feira, 2 de outubro de 2008

A pequena morte

Quando amanheceu o dia, se deu conta de que estava perturbada. A natureza da noite dava proporções estranhas aos acontecimentos anteriores de modo que o despertar era uma rememoração hiperbólica das vivências de poucas horas. Horas que passaram circunvoluteando nos pensamentos e nas idéias, horas e mais horas tendo pesadelos na desperção azul.
Antes da hora ela teve de reprimir desejos irreprimíveis e isso a tornava desesperadamente humana. Uma humanidade de si mesma. Todavia, já não é das eras atuais a impermanência das coisas apreendidas e sem dúvida algumas sabe-se sua fuga pelos poros. Pelos poros saídos a essência humana represada.
O medo que lhe tomava na consciência das coisas desperta era que sua humanidade se esvaísse por inteiro e não mais voltasse. E esse medo contagiava seus pêlos e ela temia por sua desumanidade permanente. Por isso desejava dos outros as essências humanas. Na pele, nos braços, nas pernas, nos lábios. Desejava em cada mordida, arrancar um pedaço de gente, de ser, de vida. De humanidade latejante.
Queria de volta toda a humanidade extravasada, e naquela manhã perturbada, ela desejou morder o alheio.
Ininterruptamente.

4 comentários:

Unknown disse...

morder o alheio. que lindo *.*
gostei desse. pequeno e sucinto. tem isso mesmo de acordar e as coisas ficarem hiperbolicas. acho horrivel.

Laís disse...

isso é pura maldade.
me faltam os órgãos e os pensamentos.

;***

Su disse...

Confesso que comecei a ler e pensei: vai ser chato. Está bem que um texto não tem a obrigatoriedade de ser ou não um tanto bom, um tanto alegre. Precisa ser lido.
Tava reinando na net e achei um link para cá. Com um atrevimento vou comentar esse primeiro, mas li os outros. Percebi uma carácterística interessante: as boas construções. Não foi pequeno; pelo contrário, foi exagerado quando a mensagem se propunha a ser lenta e até mesmo, quem sabe é o autor, cansativo. Mastiga a linguagem e de repente seu texto é ágil, a partir de um certo ponto. A morte sendo algo breve(quanto ao modo como ocorre), paradoxalmente definitivo, é feita a cada dia, a cada desejo. O modo como ela acontece é que diverge, considerando que ela seja provocada por cada ser-HUMANO(com o hífen mesmo).
É isso. Gostei de suas construções: os exageros foram bem utilizados (a meu ver).

Depois passo com mais calma.
Suzane

Su disse...

Ah, foi mal. Escrevo comentários no ritmo em que falo.