domingo, 23 de março de 2008

Pseudo- Independência

Lá fora, um jovem embriagado anunciando sua busca por independência. Temo que as coisas quando anunciadas tornem-se os clichês mais ridículos. Hoje considero a independência algo ridículo.

Na manhã do dia indizível acreditava piamente que a independência se manifestava em mim de modo incomensurável. Para mim independência era ouvir Aretha Franklin enquanto um ônibus inteiro era obrigado a satisfazer-se com os grunhidos da máquina de aço que os engolia e cuspia em seus determinados pontos.

Na minha ignorância de ser humano acreditava que independência era ganhar dinheiro suficiente para comprar um apartamento em um condomínio restrito e decorá-lo com vasos chineses.

E a independência independente de mim era um absurdo que eu negava ver como absurdo. Ela queria que eu descesse do ônibus no próximo ponto e voltasse para casa, assistisse a programação da tv á cabo e mudasse de canal a cada quinze segundos. A independência queria me levar para a casa dela e deita-la comigo em um colchão macio até a madrugada do dia seguinte.

No dia seguinte eu assistiria a aula.

Mas no dia seguinte e nos dias depois do dia seguinte se daria a mesma coisa e a mesma coisa e eu me consideraria o homem mais independente do mundo.

A independência queria que eu tivesse um quarto só para mim e que ligasse e desligasse o ventilador quando eu bem quisesse. E se o ventilador explodisse que eu pudesse aspirar as cinzas.

E a independência queria que eu pudesse escolher entre a minha vida e a vida dos outros sempre optando por uma vida que nem era minha nem era do outro.Era uma vida neutra que deixava que meu conceito de independência decidisse tudo. E a única coisa que eu decidia era a ideologia que eu seguiria. Na verdade nem isso.

Tudo era um conceito pré-formado de ideologias de outros e eu creditava a mim, por acreditar que era eu o fundador delas. Um conjunto de idéias pré-definidas por outros. Que ódio cometer plágio ideológico. Falta de leitura talvez. Talvez excesso. Talvez cegueira intelectual.

E a cegueira já havia corroído todos os sentidos, eu era seguidor de minha ideologia da independência e como um escravo queria obedecê-la anarquicamente através de uma série de regras que ela me impunha. E todos os ditames contrários eram regimes disciplinares absurdos e estúpidos e completamente ridículos. E eu não percebia que criava dentro de mim o regime mais disciplinar de todos. As leis de minha independência. E preso a essa premissa existencial dei sorte por conseguir corroer meu próprio sistema. Muita sorte. Deu-se numa tarde após o dia indizível. Quando tomei as últimas gotas da garrafa e saí à rua numa epifania escandalosa mostrando aos outros o resultado da minha ideologia independencialista.

E todos observaram de suas janelas, espantados e envergonhados, e apontavam, cochichando pausadamente ou comentando no seio da família:

Lá fora, um jovem embriagado anunciando sua busca por independência.

2 comentários:

Unknown disse...

ficou legal mario, bem sincero :D
a idéia de independencia é uma bosta e fode todos nós... mas quando for pressa tv, me leva com tu? eu deixo vc fazer oq quiser com o ventilador, até dançar aretha franklin :]

Unknown disse...

Adorei!!
Nunca mais tinha lido um texto seu p/ gostar tanto como esse...
Um desabafo de alguém que parece tá cansado de gritar e agora fala sério, bem sério, triste.
Ahh e ler escutando aquela música, dá a sensação de que o narrador tá quase chorando sabe?! mas fala firme e bem forte, com lágrimas nos olhos...
muita viagem neh?! ehhehehhe
Sem contar com as coisas que eu me identifico. muito bom!!