Quando o pequeno Samuel saiu pelas alamedas contando obsessivo as camélias desabrochadas, dir-se-ia que anunciava os desarranjos do fim do mundo. Suas pernas tentavam executar propriamente o passo que, se ao certo não saía, em nada se devia a falta de vontade, mas sim, aos maus hábitos da esquerda: pois que tendia a mancar a ingrata.
Esse jeito desengonçado de andar se ampliava na aceleração do passo, tornando cada movimento um constante e angustiante vir-a-ser no chão de paralelepípedos. E essa constância assombrava os vizinhos, que o viam saltar entre as valas sem se importar com a precipitação de seu corpo sobre o infinito escuro.
Eis que ele não temia a precipitação das coisas.
E nessa pressa irrefletida, Samuel prosseguia cambaleante em um desabamento de si mesmo. Seu deslocamento desarticulado o impedia de olhar por sobre os telhados, onde o céu se anunciava em um enorme revertério. As nuvens opacas se aconchegavam na premissa de uma tormenta que antes de se fazer completa exibia-se em suas potencialidades. A tempestade e sua arrebentação. Esse estado de eterna revolução das coisas atmosféricas.
Samuel, todavia, em nada aparentava realizar a tempestade. Todas aquelas perturbações celestes ele absorvia como conseqüência de sua própria instabilidade. Na imersão de seu mundo fantasioso, o trovão ruidoso era o grito angustiado de uma alma cativa, as árvores chacoalhavam em despedida, mas o vento... o vento era uma criatura absurda.
Ele não confiava naquela manifestação invisível da natureza. Para ele a concreticidade do vento era tão abstrata que só se satisfazia de compreensão por ele mesmo. O vento só podia ser compreendido pela sua própria natureza fluida, livre e com ânsias de se atirar dos precipícios. Somente um ser de igual conformidade poderia compreendê-lo. E este ser ainda não existia.
Apesar da constatação da unicidade e singularidade do vento, Samuel não parecia estremecer por tal juízo. Na realidade, seu maior medo não se vinculava à essência do vento, mas sim, à suas palavras obscuras ditas naqueles sons sussurrantes. Pois que o vento detinha em sua estrutura as vozes cacófonas do mundo. E o mundo, era uma instância da crueldade humana só que servida em um prato mais gélido.
Ao perceber as confissões que lhe adviriam, pois o vento não podia se calar perante tudo que absorvia e alguma hora iria tudo proclamar aos ouvidos de um transeunte, Samuel percebeu-se sozinho. No meio de uma grande praça de frente ao mirante e seu horizonte acimentado, viu portas, janelas e cadeados, todos em pleno encarceramento.
O mundo havia parado para ver a tempestade passar.
No meio da praça, isolado, viu ao longe no marrom dos telhados movimentações incomuns de telhas e grades: tudo sendo arrastado. E ele, um espectador passivo não podia parar de pensar se aquele povo também não lhe culparia por isso.
Ele o farrapado, a criança órfã e destrutiva. Ele o contador de camélias desabrochadas, que vivia da boa vontade das mulheres viúvas. Elas que o adotavam por alguns dias e depois o largavam como um cachorro sarnento. Há de se enjoar com aquele passo. Ele e sua culpabilidade por tudo. Como se o mundo todo lhe dissesse que por nascer daquele jeito podia ser submetido às conseqüências dos outros. Mas a culpa, ele sabia, não era dele. Era a tempestade que queria o culpar. Mas ninguém iria acreditar na fala de uma criança louca cujos pensamentos são tão disformes quanto seu corpo e suas pernas. Ninguém acreditaria que a tempestade está-lo-ia usando como a um boneco desengonçado. Um títere nas mãos do titereiro divino.
Não se sabe ao certo se seria Samuel já incitado pelo vento ou suas revoluções internas que o tomavam, mas ele havia decidido. Não mais permitiria sua culpabilidade efervesceste. Não mais o impediriam de saltar por sobre as valas, não mais deixaria a casa de uma senhora idosa em razão do brinquedo ter vindo quebrado. A natureza não mais aceitaria essa devolução. E tomado de um estranho sentimento de desabamento, sentiu-se oscilante como uma casa de estrutura frágil, e na frente do horizonte ouvia o vento e o compreendia. Eles teriam a mesma natureza, e finalmente, Samuel poderia sentir o sabor daquele absurdo. Ele seria irreprimível.
Quando o pequeno Samuel saiu pelas alamedas contando obsessivo as camélias desabrochadas, dir-se-ia que anunciava os desarranjos do fim do mundo.
Esse jeito desengonçado de andar se ampliava na aceleração do passo, tornando cada movimento um constante e angustiante vir-a-ser no chão de paralelepípedos. E essa constância assombrava os vizinhos, que o viam saltar entre as valas sem se importar com a precipitação de seu corpo sobre o infinito escuro.
Eis que ele não temia a precipitação das coisas.
E nessa pressa irrefletida, Samuel prosseguia cambaleante em um desabamento de si mesmo. Seu deslocamento desarticulado o impedia de olhar por sobre os telhados, onde o céu se anunciava em um enorme revertério. As nuvens opacas se aconchegavam na premissa de uma tormenta que antes de se fazer completa exibia-se em suas potencialidades. A tempestade e sua arrebentação. Esse estado de eterna revolução das coisas atmosféricas.
Samuel, todavia, em nada aparentava realizar a tempestade. Todas aquelas perturbações celestes ele absorvia como conseqüência de sua própria instabilidade. Na imersão de seu mundo fantasioso, o trovão ruidoso era o grito angustiado de uma alma cativa, as árvores chacoalhavam em despedida, mas o vento... o vento era uma criatura absurda.
Ele não confiava naquela manifestação invisível da natureza. Para ele a concreticidade do vento era tão abstrata que só se satisfazia de compreensão por ele mesmo. O vento só podia ser compreendido pela sua própria natureza fluida, livre e com ânsias de se atirar dos precipícios. Somente um ser de igual conformidade poderia compreendê-lo. E este ser ainda não existia.
Apesar da constatação da unicidade e singularidade do vento, Samuel não parecia estremecer por tal juízo. Na realidade, seu maior medo não se vinculava à essência do vento, mas sim, à suas palavras obscuras ditas naqueles sons sussurrantes. Pois que o vento detinha em sua estrutura as vozes cacófonas do mundo. E o mundo, era uma instância da crueldade humana só que servida em um prato mais gélido.
Ao perceber as confissões que lhe adviriam, pois o vento não podia se calar perante tudo que absorvia e alguma hora iria tudo proclamar aos ouvidos de um transeunte, Samuel percebeu-se sozinho. No meio de uma grande praça de frente ao mirante e seu horizonte acimentado, viu portas, janelas e cadeados, todos em pleno encarceramento.
O mundo havia parado para ver a tempestade passar.
No meio da praça, isolado, viu ao longe no marrom dos telhados movimentações incomuns de telhas e grades: tudo sendo arrastado. E ele, um espectador passivo não podia parar de pensar se aquele povo também não lhe culparia por isso.
Ele o farrapado, a criança órfã e destrutiva. Ele o contador de camélias desabrochadas, que vivia da boa vontade das mulheres viúvas. Elas que o adotavam por alguns dias e depois o largavam como um cachorro sarnento. Há de se enjoar com aquele passo. Ele e sua culpabilidade por tudo. Como se o mundo todo lhe dissesse que por nascer daquele jeito podia ser submetido às conseqüências dos outros. Mas a culpa, ele sabia, não era dele. Era a tempestade que queria o culpar. Mas ninguém iria acreditar na fala de uma criança louca cujos pensamentos são tão disformes quanto seu corpo e suas pernas. Ninguém acreditaria que a tempestade está-lo-ia usando como a um boneco desengonçado. Um títere nas mãos do titereiro divino.
Não se sabe ao certo se seria Samuel já incitado pelo vento ou suas revoluções internas que o tomavam, mas ele havia decidido. Não mais permitiria sua culpabilidade efervesceste. Não mais o impediriam de saltar por sobre as valas, não mais deixaria a casa de uma senhora idosa em razão do brinquedo ter vindo quebrado. A natureza não mais aceitaria essa devolução. E tomado de um estranho sentimento de desabamento, sentiu-se oscilante como uma casa de estrutura frágil, e na frente do horizonte ouvia o vento e o compreendia. Eles teriam a mesma natureza, e finalmente, Samuel poderia sentir o sabor daquele absurdo. Ele seria irreprimível.
Quando o pequeno Samuel saiu pelas alamedas contando obsessivo as camélias desabrochadas, dir-se-ia que anunciava os desarranjos do fim do mundo.